A menina que tinha medo do amor

2014-02-09 18.50.01

Divulgação “Espetáculo Tango 7”
Foto de Bella Tozini

No fundo do mundo, aquele lugar no qual habitamos.
Havia uma menina que não conseguia se por
Ela tinha dificuldade em ser amada.
Na verdade ela amava muito, mas esquecia que tudo isso devia ser vivido por dois e não um.
Ela acostumou-se a amar sozinha.
A sonhar e dizer coisas somente no plano do inaudível, lá dentro de si.

O seu dentro era repleto de belezas, as mais bonitas que podiam existir.
De vez enquanto deixava escapar alguns raios desta boniteza por alguns feixes.
Mas rapidamente recolhi-os a fim de que não a percebessem muito.
Devagar, tinha que ser devagar.
Não há explicações para este decoro com sua beleza.
Somente que ela não sabia ser amada.

Estes raios sorrateiros vez ou outra traziam algum outro para perto de sua porta.
Este transitava pelo seu contorno e conseguia ter certa dimensão de seu tamanho.
Era grande por fora. Dava para se ver que ali batia um coração tão grande quanto sua silhueta lhe sugeria.

No entanto esses contatos nunca foram além de leves toques.
Tensões de espaço que mal começam já acabam, sem qualquer permanência, sem qualquer presença.
A menina sonhava com o dia que abriria a porta e deixaria toda aquela inconstância escapar. E esperava também todas as outras inconstâncias que a invadiriam.
Ela sonhava mas não sabia bem que havia uma porta, nem que ela encontrava-se fechada.
Ela só amava. De longe. Mesmo perto, estava longe, distante.
E tudo ali dentro.

Um dia descobriu uma janela. A janela que passava alguns feixes.
Dali percebeu que podia chamar as pessoas que estavam ali transitando.
“Ei, psiu”
“Tudo bem?”
“Olha lá”

E aqueles eram tão engraçados que na medida que os chamavam eles ficavam todos atrapalhados.
Não sabiam de onde vinha o chamado, mas na medida que se atrapalhavam a menina percebeu que mesmo ali protegida poderia bagunçar com aqueles lá de fora.
Mesmo que por um instante qualquer.
Ela se apoderou de um mecanismo. Algo muito engenhoso.
Inteligente. Ela podia mexer no mundo dos outros.
Assim, até sem pedir licença. Lá dentro, pela janela.

Foi necessário um dia sair da casa.
despir-se das paredes e tetos.
Crua e nua, ali na rua. Havia necessidade de roupa, de chão certo, de porto para chegar.
Esperava tanto aquela visita pela janela que esqueceu-se de abastecer si mesma.
Por um bom tempo só estava para a janela, a espreita e a espera.
Foi longo o tempo para entender que aquela casa era feita de nuvens.
E que os muros não tinham solidez. Eram feitos de fumaça crônica.

Aquela janela desembrulhou para fora. A menina foi engolida mundo a dentro.
Estava ela ali, na rua. Com os pés perto do meio fio.

Agora era preciso acomodar-se. Havia tempo?
Não sabia. O sabor de si era atemporal. Mas era protegido ali nas nuvens.
Agora estava a baixo.
Esmagada no tempo, congestionada de vida.
Confundida em meio a vários fluxos, há vários trânsitos.
Aqueles trânsitos que timidamente saudava.
Agora passavam por ela, atravessavam-na.

Era difícil manter-se de pé em meio a tanto movimento.
Ela estava em suas mãos, não tinha forças.
Os fluxos foram invadindo seu corpo pouco a pouco.
E dali um tempo já conseguia o sentir como parte de si própria.

Estava começando a conversar com ele.
Com certa hesitação, o caos foi conquistando a menina.
Essa já menos temerosa já podia caminhar entre todo aquele mar atormentado.
Começou a pisar no chão e senti-lo como seu.
Era duro, as vezes quente, mas geralmente frio.
Ela o mastigou, com as garras do quase desespero.

E nele se fixou. Como propriedade.
Ela, mulher, já podia erguer-se.
A inconstância do que poderia lhe atingir virou sua confidente.

Dualidade

2014-03-08 12.12.40

“A dualidade que vive em mim.
Que precisa ser vestida,
tranvestida.
Para ser, a aparecer.

A dualidade que veste e desnuda
que transmuta.
Que doa,
mas pena em receber.

A dualidade dos espaços e das vozes,
dos olhares que caiem e recaem.
Que queimam,
que não chegam.

Os dois seres, as duas ações,
que se posicionam e ganham contornos.
Diferentes.
Que rasgam o ar em seu movimento.

O dual a dois passos.
as duas linhas de ser, ser, ser.
Por que vestir algo me dá potência?
Me muda, me permite?”

02/10/2012

Permuta as avessas

pão com bolor

O outro é meu!
Defini, pois bem, agora será assim…
Você é do meu pertencimento!
-mas, tenho dúvidas.
Não, dúvidas não são permitidas.
-então, não quero.
Não, querer não é permitido.
-o que é permitido?
Permitido? Não sou esse monstro. Falando assim parece que eu quero controlar. Não, sou bem a favor da democracia.
-não compreendo.
Meu bem, não se preocupe.
Eu sei bem o que é melhor para você.

Este recai sobre o colo desse bem. O bem não sabe, mas aceita. Não há querer…

 

Quer saber?

“Quer saber?
Já sei qual é meu lugar. Já sei sim!
Embora por vezes eu tente me enganar,
com tudo já entendi.
Tudo bem?
Já entendi o que quer me dizer.
O que me resta de mim é ser teimosa.
é essa teimosia que me faz caminhar por alguns velhos caminhos,
sem encontrar colo ou qualquer coisa que me receba.
Tá, tá. Já sei, estou escrevendo por que já entendi.
Disseram que a palavra inaugura.
Pois bem, estou aqui neste momento rompendo a fita.
Inauguro o novo mundo.
Seja bem vindo! Fique a vontade. Mas não repara a bagunça. ”

por Adriana Nogueira – 10/02/2014

Eu tenho saudade!

“Eu tenho é saudade!
Saudade daquilo que ainda não vi…
saudade do que ainda não senti….
tenho essa fome no peito, fome daquelas que a gente sente ao sentir o cheiro de comida fresca quase pronta!
Essa vontade do que ainda não é.
Essa sede de saber como é. E se é.
Tanto figurativo, tanta imagem… tanta abstração.
E meu coração só sabe é bater descompassadamente a espera.
O aguardo de guardar este negócio que não tem forma e nem encaixe.
Que não tem peso… que não nasceu.
É uma ideia.
A ideia que está aqui dentro de mim, louquinha para sair.
Ainda não está madura, mas tá lá a bichinha.
Viva! Saltitante!
Sem saber ainda andar, tropeça nos ventrículos e empurra as veias.
Faz uma pressão demasiada dentro do peito.
Pressão…pressiona…empurra guela dentro toda essa fome e sede.
Toda essa vontade.
E que mesmo que não vingue, será, quer dizer, já é…”

Por Adriana Nogueira –  18/02/2014

Nascendo asas

“Estou com uma sensação de produção
estou produzindo alguma coisa dentro de mim
que nasce da morte
de mortes que situa a vida
que me fazem
ou me fazem pro meu agora
dolorido mas…
saudável ,se pode dizer algo assim
algo calmo, sereno
algo que me compacta!

Aí a amiga me diz:
O universo é um negócio viu!
a produção…deixe acontecer, dê vazão
Permita que isso, seja o que for, ganhe asas!

É exatamente isso. A permissão é assim:
Permito porque estou descontrolado, não tenho , preciso. E é assim desse jeito, nesse estado, que ele tece espaços, e ocupações em mim, que não sou capaz.
Preciso estar aqui.
Desconfortável
e viva
e dor viva
a dor tem esse ofício
é uma aproveitadora
ela se aproveita de mim
pra fazer-me!
ou melhor para fazer um pouco mais de mim
porque ainda não estou pronta, não sou feita
não sou feita pra um montão de coisas…
o universo
vai me dizendo isso,
e me produzindo
pra viver… a vida real!
Não tenho como não permitir
… as asas são feitas assim
elas nascem, e dói nascer.
E então percebo que meu corpo não parou nunca de crescer.
Ele agora está nessa idade , a idade das asas.

Assim término as comemorações do aniversário da minha idade!
Assim vou terminando os últimos dias de fevereiro 2014”

Por Valéria GR – 25/02/14
parceira de poesia, de pensamentos e vivências dançantes e cotidianas

É preciso!

“É preciso mostrar-se, na verdade, é necessário.
Para estar vivo, para se por no mundo.
Sentir! com certeza, mas isto é pra dentro. É seu, é meu.
é segredo inconfessável.
Mas mostrar, publicar, aparecer, dizer, escrever é relacionar-se.
É por concretude.
Na medida que sentir é solitude, fundamental para ser.
Publicar-se é viver.
Estou cansada desta minha cabeça lá na lua e deste meu pé aqui, enterrado no pantano.
Essa canseira vem de longa caminhada, de dentro, só dentro, pra dentro.
Fundo, lá longe do mundo.
Tão distante que meu pranto nem faz cócegas na terra.
esta nem sabe, esta nem se quer faz ideia.
Estou aqui, inaugurando esta eu.
Que sente tanto e que agora busca chão firme, assentado, para ganhar impulsos e espaços.”

Panorâmica em Ubatuba

Panorâmica em Ubatuba

 Por Adriana Nogueira – 03/03/2014