No fundo do mundo, aquele lugar no qual habitamos.
Havia uma menina que não conseguia se por
Ela tinha dificuldade em ser amada.
Na verdade ela amava muito, mas esquecia que tudo isso devia ser vivido por dois e não um.
Ela acostumou-se a amar sozinha.
A sonhar e dizer coisas somente no plano do inaudível, lá dentro de si.
O seu dentro era repleto de belezas, as mais bonitas que podiam existir.
De vez enquanto deixava escapar alguns raios desta boniteza por alguns feixes.
Mas rapidamente recolhi-os a fim de que não a percebessem muito.
Devagar, tinha que ser devagar.
Não há explicações para este decoro com sua beleza.
Somente que ela não sabia ser amada.
Estes raios sorrateiros vez ou outra traziam algum outro para perto de sua porta.
Este transitava pelo seu contorno e conseguia ter certa dimensão de seu tamanho.
Era grande por fora. Dava para se ver que ali batia um coração tão grande quanto sua silhueta lhe sugeria.
No entanto esses contatos nunca foram além de leves toques.
Tensões de espaço que mal começam já acabam, sem qualquer permanência, sem qualquer presença.
A menina sonhava com o dia que abriria a porta e deixaria toda aquela inconstância escapar. E esperava também todas as outras inconstâncias que a invadiriam.
Ela sonhava mas não sabia bem que havia uma porta, nem que ela encontrava-se fechada.
Ela só amava. De longe. Mesmo perto, estava longe, distante.
E tudo ali dentro.
Um dia descobriu uma janela. A janela que passava alguns feixes.
Dali percebeu que podia chamar as pessoas que estavam ali transitando.
“Ei, psiu”
“Tudo bem?”
“Olha lá”
E aqueles eram tão engraçados que na medida que os chamavam eles ficavam todos atrapalhados.
Não sabiam de onde vinha o chamado, mas na medida que se atrapalhavam a menina percebeu que mesmo ali protegida poderia bagunçar com aqueles lá de fora.
Mesmo que por um instante qualquer.
Ela se apoderou de um mecanismo. Algo muito engenhoso.
Inteligente. Ela podia mexer no mundo dos outros.
Assim, até sem pedir licença. Lá dentro, pela janela.
Foi necessário um dia sair da casa.
despir-se das paredes e tetos.
Crua e nua, ali na rua. Havia necessidade de roupa, de chão certo, de porto para chegar.
Esperava tanto aquela visita pela janela que esqueceu-se de abastecer si mesma.
Por um bom tempo só estava para a janela, a espreita e a espera.
Foi longo o tempo para entender que aquela casa era feita de nuvens.
E que os muros não tinham solidez. Eram feitos de fumaça crônica.
Aquela janela desembrulhou para fora. A menina foi engolida mundo a dentro.
Estava ela ali, na rua. Com os pés perto do meio fio.
Agora era preciso acomodar-se. Havia tempo?
Não sabia. O sabor de si era atemporal. Mas era protegido ali nas nuvens.
Agora estava a baixo.
Esmagada no tempo, congestionada de vida.
Confundida em meio a vários fluxos, há vários trânsitos.
Aqueles trânsitos que timidamente saudava.
Agora passavam por ela, atravessavam-na.
Era difícil manter-se de pé em meio a tanto movimento.
Ela estava em suas mãos, não tinha forças.
Os fluxos foram invadindo seu corpo pouco a pouco.
E dali um tempo já conseguia o sentir como parte de si própria.
Estava começando a conversar com ele.
Com certa hesitação, o caos foi conquistando a menina.
Essa já menos temerosa já podia caminhar entre todo aquele mar atormentado.
Começou a pisar no chão e senti-lo como seu.
Era duro, as vezes quente, mas geralmente frio.
Ela o mastigou, com as garras do quase desespero.
E nele se fixou. Como propriedade.
Ela, mulher, já podia erguer-se.
A inconstância do que poderia lhe atingir virou sua confidente.